Mais: João Dias declarou a senadores e deputados oposicionistas que já entregou a gravação à revista ‘Veja’. Disse que será veiculada no próximo fim de semana. Segundo João Dias, soam no áudio as vozes de assessores do Ministério dos Esportes que se reuniram com ele a pedido do ministro Orlando Silva.
A conversa é de abril de 2008, época em que Orlando já ocupava a poltrona de ministro. Serviu para alinhavar um acordo nada republicano. Combinou-se que João Dias não denunciaria a engrenagem de cobrança de propinas. Algo que ameaçava fazer.
Em troca do silêncio, a equipe de Orlando Silva isentaria duas ONGs do PM de irregularidades em convênios firmados com o ministério. Coisa de R$ 3,2 milhões. O acordo fora esboçado, segundo João Dias, numa reunião que ele mantivera antes com o próprio Orlando Silva. Esse diálogo prévio não foi gravado.
Porém, disse o PM aos parlamentares, o áudio do segundo encontro, captado sem que os presentes soubessem, faz menção à combinação feita com o ministro. O blog conversou com três dos parlamentares que ouviram o relato de João Dias: Álvaro Dias (PSDB-PR), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Os três declararam-se impressionados com a riqueza de detalhes do relato. Em essência, o detrator de Orlando Silva contou o seguinte:
1. Rescisão retroativa: Combinou-se que João Dias, em litígio com os operadores do esquema de propinas, teria encerrados os convênios de suas ONGs. Embora o acerto seja de abril de 2008, o termo do encerramento dos negócios foi datado de dezembro de 2007. Por quê? Para evitar que irregularidades apontadas posteriormente caíssem na malha de órgãos de controle como TCU e da CGU.
2. Central de fraudes: João Dias disse que entrou em atrito com Orlando Silva e Cia. ao recusar-se a pagar propina de 20% sobre os convênios que celebrou. Pagou, segundo disse, entre 1% e 2%. A central de desvios funcionava, segundo o acusador, nas dependências do ministério. Envolvia convênios do programa ‘Segundo Tempo.’
3. Taxa de ‘assessoramento’: O acusador deu nome aos operadores dos contratos. Os contatos com as ONGs era feito por Ralcilene Santiago, funcionária do ministério e militante do PcdoB, partido do ministro. Cuidava da checagem da documentação e da estruturação dos convênios o advogado Júlio Cesar Vinha. A intermediação custava às ONGs até 20% do valor dos contratos. Feita a título de “assessoramento”, a cobrança era, segundo João Dias, “propina”.
4. Provedores de notas frias: João Dias contou que participavam do esquema empresas cuja função era a de prover notas frias para encobrir os desvios. Ele citou três logomarcas: HP, Infinita e Linha Direta.
5. R$ 1 milhão por baixo da mesa: De acordo com o relato do PM, o programa ‘Segundo Tempo’, concebido para levar atividades esportivas a crianças e adolescentes, destina verbas a ONGs de fancaria. Cumprem os convênios pela metade ou descumprem integralmente. Essas entidades devolvem parte do dinheiro recebido na forma de propinas. João Dias citou quatro ONGs que teriam repassado ao esquema R$ 1 milhão. Detalhista, ele dá os nomes das entidades e as cifras dos respectivos convênios: Liga de Futebol Society do DF (R$ 2 milhões), Instituto Novo Horizonte (R$ 3 milhões), Fundação Toni Matos (R$ 1 milhão), Associação Nossa Senhora Imaculada (R$ 600 mil).
6. Caixa dois do PCdoB: No dizer de João Dias, ex-candidato a deputado distrital pelo PCdoB-DF, a usina de desvios montada na pasta dos Esportes funciona “em todo país”. A verba malversada destinava-se, segundo ele às arcas eleitores clandestinas do PCdoB.
7. Testemunhas: João Dias disse que sua conversa com Orlando Silva, aquela em que foi esboçada a troca do silêncio pelo sumiço das irregularidades, ocorreu no gabinete do ministro e teve testemunhas. Estavam na sala assessores que ele identificou assim: Júlio Filgueiras, Valdemar e Adson (um dos parlamentares anotou Wadson).
8. Os assessores gravados: A reunião de abril de 2008, aquela em que a combinação feita com o ministro foi detalhada, ocorreu numa sala do sétimo andar do ministério. Deu-se, segundo o acusador, “na calada da noite”. Na gravação que João Dias diz ter feito sem o conhecimento dos presentes soam as vozes de Adson, Júlio Filgueiras, Charles e Fábio Hansen.
Realizada na sala da liderança do PSDB no Senado, a conversa de João Dias deixou impressionados os interlocutores. Para Álvaro Dias, há “elementos de sobra” para uma investigação do Ministério Público. Algo que requereu na segunda-feira.
Ronaldo Caiado comparou o esquema dos Esportes a uma quadrilha de traficantes: “É um relato demolidor. Revela operação semelhante às que fazem os traficantes no Morro do Borel ou na Rocinha. Só que, em vez de cocaína, trafica-se dinheiro”.
Para Chico Alencar, à margem de ”algumas inconsistências”, no pedaço que tratou “de nomes, períodos e negociações, o que se ouviu foi uma discrição fidedigna do velho esquema de caixa dois”.
Líder do PSOL, Chico enxergou no acusador, um PM que rico, a figura de um “cúmplice” do esquema. Discorda, porém, da tese de Orlando Silva segundo a qual não se deve dar crédito a bandido: “O mensalão do DEM veio a público na voz do delator Durval Barbosa. Ficou-se sabendo do mensalão do PT porque o Roberto Jefferson estava dentro e decidiu falar”.
Da reunião com João Dias, Chico Alencar foi à inquirição de Orlando Silva, que ocorria nas dependências da Câmara. Teve tempo de dirigir ao ministro questões suscitadas pelo PM. Quis saber de Orlando Silva os nomes das pessoas que testemunharam a conversa dele com João Dias. "Ele não informou". Perguntou-lhe sobre a reunião posterior, só com os assessores. "Ele respondeu: se houve, desconheço". Inquiriu-o sobre o encerramento retroativo dos convênios das ONGs do PM. "Ele disse que desconhece totalmente". Chico conclui: "Se vier a público a gravação, será possível cotejar o conteúdo com as declarações do Orlando [Silva]."
Nesta quarta (19), a oposição vai requerer a convocação de João Dias na comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. Líder de Dilma Rousseff na Casa, Cândido Vaccarezza (PT-SP), avisou que o bloco governista vai rejeitar. Para ele, o assunto está encerrado. Chico Alencar brincou com Vaccarezza: "Esse assunto ainda vai exigir terceiro tempo e prorrogação". Orlando Silva prestará novo depoimento, dessa vez no Senado. Quanto a João Dias, espera-se que compareça à Polícia Federal nesta quinta (20). 

-Escrito por Josias de Souza